segunda-feira, 30 de agosto de 2010

meu doce senhor

Quando eu O vi pela primeira vez, ele era o olho do furacão, o ponto de calma no caos da loucura. Ele era a raiz e a brotação que entravam por baixo da minha pele e forçavam a loucura a tomar seu lugar certo, sob controle, me ensinando sem me destruir.

Depois, eu O vi na vibração que emanava da pista de dança no porão do casarão. Eu o vi na entrega à música e na fumaça do cigarro e nas pessoas que dançavam ali. Ele estava no vinho barato que enxarcava meus sentidos enquanto eu me entregava ao abandono e na fumaça densa que alterava meus sentidos enquanto eu enchia um copo de vodka e começava a pintar. E quando eu escrevia furiosamente por horas sem parar em sobrefluxo de consciência, eu podia sentir suas mãos sobre meus ombros, e seu sopro em minha nuca.

Com o tempo, eu O vi na chama que se erguia e na libação sendo derramada, e vi seu rosto no escuro e no perfume sufocante do incenso.

Eu o vi na miríade de imagens que se sobrepunham, como se em um instante eu pudesse repassar na minha mente toda a iconografia dEle que eu vi na vida. Cada imagem sobreposta e multiplicada, em argila, tinta, mosaico, mármore, madeira, marfim, tudo.

Eu O vi cercado pela vegetação luxuriante que invadia tudo em torno dEle, e O vi belo como um príncipe celestial. Eu O vi como um coração pulsante sem corpo e no desespero do vazio de estar morto sendo imortal.

Eu O vi como serpente e touro, como pantera e raposa, e meu corpo se arrepiou com a presença dele enquanto a hera e a vinha se desenrolavam e agarravam a realidade, ofuscando minha mente consciente e permitindo que eu sentisse sua presença como uma sombra líquida que se derramava sobre a noite.

Eu O vi sujo de sangue e de olhar maníaco e O vi sereno e cuidadoso comigo.

Eu O vi em sonho, alucinação, transe, ritual. E eu sou absorvida por Ele a cada vez, novo, inteiro, coberto de som e perfeição, e tento descrever aquilo que vejo, mas não importa como , nunca consigo.















(e sim, para quem acompanha o House of vines, esse post foi imensamente influenciado pela torrente de postagens sobre Dionísio neste mês de agosto.)

sábado, 28 de agosto de 2010

O senhor de muitas habilidades

Eu não sei dizer como ele chegou na minha vida. Como a maioria das pessoas, eu era burra o bastante para permitir que seu culto passasse batido.

Mas então ano retrasado os Curetes decidiram chutar a minha bunda daqui até a Samotrácia. Com a gentileza que lhes é peculiar, esses deuses me escolheram para prestar devoção a eles e me dedicar profundamente a coisas que não sei colocar em palavras, porque afinal,são mistérios (que eu ainda só arranho a superfície). Eu não tenho vergonha de dizer: alguns dos deuses a que presto culto eu não teria me devotado se pudesse escolher. Porque é difícil, porque falta informação, porque é trabalho duro. Mas eu não sou boa em dizer não para Aqueles Que São. E é uma honra.

Bom, o fato é que entre outras coisas, os Curetes estão ligados ao fogo e a forja.  E essa coisa da forja, e por consequência da tecnologia foi ficando na minha cabeça.

Então, ali estava eu um belo dia quando me dei conta de que o deus mais presente no meu cotidiano era Hefesto.

Isso envolveu uma impressora xerox que decidiu não funcionar e o momento em que eu, dedos queimados, lanhados e sujos de toner, ergui as mãos e rezei a Hefesto. Em voz alta. No trabalho. E acho que ele achou engraçado aquela professora louca que de repente viu, naquela impressora quebrada, toda a tecnologia que permeava a sua vida. A impressora  funcionou.

Existem deuses que chamam atenção. Eu costumo dizer que Hermes é um deus que chega, abre a porta, pega uma cerveja na geladeira, senta no seu lugar do sofá e mete os pés em cima da mesinha de centro. E como a gente usa a tecnologia para se comunicar, é comum a confusão de ver Hermes como deus não só da comunicação, mas também da tecnologia.

Eu já fiz essa confusão também. Normal. Mas pense bem: como raios você pretende fabricar um celular sem usar o calor para modificar a matéria prima para que ela se torne os componentes necessários? E sem um mestre artesão que domine a perícia, nenhum objeto pode ser criado.

Quando eu olho em volta é difícil não pensar em como tudo tem o toque de Hefesto.

Meu altar é uma obscenidade de cultos. Eu por mim, se tivesse espaço, teria altares aos 30 mil deuses,rs. Mas eu fiz que fiz e não havia meio de incluir um espaço decente para o deus ferreiro. Acabei fazendo um oratório só dele, anexo ao meu altar principal. Ainda está bem simples. Mas já tem uma bigorna em miniatura, alguns objetos de ferro ou artesanato em metal, uma imagem dele que achei bonita.

Hefesto é o deus que cria a beleza. Não a toa ele desposou Afrodite. E não a toa há mitos em que depois dele e de Afrodite tomarem cada um seu rumo, ele se casou com Aglaia, uma das Graças. Quem melhor do que Hefesto para compreender a beleza?


O fato é que é muito fácil amar Hefesto. E eu tenho vontade de gritar isso para o mundo inteiro ouvir.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

O lado B da minha relação com meu Daemon

Tem coisas que a gente não fala. Pegam mal. São feias. Gostar de Paulo Coelho é uma delas.
Meu primeiro blog para falar de espiritualidade, no entanto, também foi o primeiro blog que eu fiz o template. E como era o template do Buscas? Uma viagem psicodélica em cima da letra de Mata Virgem, do Raul Seixas. Esse disco é um dos meus preferidos na vida. (Já que estou falando de lado B, vamos assumir também que somos fãs de Raul Seixas, ok?)  Então, Paulo Coelho não era novidade para mim quando todo mundo começou a falar dos livros dele. Era o parceiro do Raul, oras.

Mas o que isso tem a ver com meu Agathodaemon?

Eu tinha uns 10 anos. Estávamos na sala de espera do pediatra. E minha mãe estava lendo As Valkírias. Eu estava irritada e impaciente (eu tenho fobia a médicos e hospitais) e ela parou de ler o livro para conversar com alguém, e eu pedi para ler. Ela me entregou o livro. E eu li. Minha mãe não sabia que já a alguns meses eu estava "roubando" a biblioteca de ocultismo do meu pai. Mas aquele livrinho com a imagem do arcanjo Gabriel na capa era perfeito para minha compreensão. Tinha uma linguagem cotidiana e falava de algo que eu convivia : mulheres e anjos. Virei o livro do avesso nos dias seguintes. E aquilo tinha exercícios simples de concentração, que eu conseguia fazer (tem muito exercício de teatro enfiado nos livros dele, mas isso tbm é divertido - pq exercícios de teatro sempre foram portas espirituais pra mim). Eu comecei a me concentrar, a limpar minha mente, a ouvir o silêncio e olhar o horizonte. E minha devoção a São Miguel Arcanjo e aos Santos Anjos explodiu numa centena de faíscas coloridas.

E eu podia sentir ele ali. Não como eu sinto hoje, não com a força com que sinto sua presença. Mas embora houvesse uma suspeita de escama e suas asas não fossem as asas branquinhas dos anjos da igreja, sua imagem era clara na minha mente quando ele se aproximava, carregando um chifre cheio de flores. Sabe como é, existem coisas que só as crianças conseguem fazer. Essas imagens mentais maravilhosas, por exemplo, cheias de detalhes.

Um ano depois, eu acho, apareceu nas bancas uma coleção sobre anjos que vinha com fitas cassetes para meditação. Era a época da febre dos anjos. Meu avô fez a coleção, não leu e tampouco fez as meditações. Eu peguei para mim. E todas as noites antes de dormir eu fazia as visualizações, as meditações e o caralho. E ai as coisas foram acontecendo.


Paulo Coelho é uma bosta em aspectos literários? Talvez. Mas eu tinha dez anos de idade e aprendi o que era canalização, e acreditei firmemente que eu podia falar com anjos. Então, eu queira ou não, devo uma para ele. Ok. Eu sei que na mesma época roubava livros da biblioteca de ocultismo do meu pai e e recitava trechos do livro dos mortos egípcio, e estava terminando de ler a bíblia pela primeira vez. Mas as Valkírias era a coisa certa para a minha idade, e ao invés de me colocar na teoria, nas coisas que eu não tinha maturidade emocional de lidar, me dava coisas práticas para trabalhar.

Quando rompi com o cristianismo, não senti falta dos santos e de deus e do cristo. Sentia falta do meu anjo, só. Nunca me desfiz dos meus anjos. Na verdade, estou olhando para os meus favoritos neste momento. Eles continuam aqui, mesmo representando coisas diferentes.

O fato é que eu nunca deixei de acreditar que havia alguém cuidando de mim. Então, aos quinze anos de idade eu fui atropelada e tive a sensação de ser amparada por imensas asas que me colocaram suavemente no chão. Nunca vou esquecer da aparência do carro que eu destrui com meu corpo sem me machucar. E um caco do vidro do farol do carro (que eu quebrei com o joelho) foi parar discretamente ao lado da minha imagem preferida de anjo ao mesmo tempo em que eu acendia velas de ação de graças para a Deusa.

Anos depois, veio a stregheria. As coisas começavam a fazer sentido e eu me voltei a um panteão greco-romano. E ali estavam os lare e os lasa, os genii, e eu me encontrei. De tudo que havia na stregheria, foi essa relação com os "gênios" (que eu agora chamo de daemones) que mais me cativou de cara. Dai para começar a cultuar meu agathos daemon foi um pulo, mesmo antes de me assumir helenista. 

E foi como voltar para casa. Eu assumo uma certa emotividade em falar disso. Porque eu me decidi a ouvi-lo 17 anos atrás, por conta de um livro bobo do Coelho. E o tempo devora, e hoje eu leio hinos antigos para ele, eu aprendi muita coisa sobre "spirit work" (não acho uma boa palavra em português), e quem sempre está lá por mim, quem me entende e ouve naquelas bobagens que não tenho coragem de pedir aos deuses?

Ele não se importa em me ouvir reclamar sobre o consumo exagerado de um item da dispensa que me obriga a ir ao mercado fora de hora, e tem a paciência de ouvir minhas preces para que um aluno difícil falte porque estou com dor de cabeça. Ele está comigo quando abraço os joelhos e sofro com a sensação de distância que as vezes sinto com relação a Dionísio e me ampara quando choro por bobagens. Ele me guia e orienta quando minha mente me prega peças. Graças a meu Bom Espírito, eu aprendo a seguir minha intuiçao e sei quando preciso parar e me permitir escrever mesmo que eu perca a hora. E graças a nossa relação, eu me viro em lidar com outros daemones, com os espíritos ligados aos lugares, com essas coisas espirituais cotidianas, que são muito mais "bobagens", que não dizem respeito aos deuses, que tem coisas muito maiores para cuidar do que minha batalha contra uma erva daninha num vaso de rosas.


Então, eis um pouco do lado B da minha relação com meu mais querido amigo espiritual, que com imensa paciência me aturava quando eu o chamava de anjo (mesmo com as escamas e a coisa com a Caçadora), que me orientou quando eu estava perdida, que voou até os deuses infinitas vezes para levar até eles pedidos de intercessão ou orientação para mim, e que esbanja alegria quando eu faço algo correto para o meu caminho espiritual. E que começou assim: com um livro do Coelho e uma coleção de fitinhas k7 da Mirna *insira aqui um sobrenome eslavo pior que o meu*.

domingo, 15 de agosto de 2010

Um questionamento

Estamos chegando em 800 visitas neste blog. Eu acho isso um bocado, principalmente porque não divulguei muito o blog, e não posto tão frequentemente.

Isso me colocou um pouco para pensar. Eu pensei este lugar para falar sobre a minha relação com os deuses, com minha religião e minha fé, em um ponto de vista nada científico, mas bem pessoal mesmo. Então não esperem textos neutros, focados e acadêmicos. Mas eu gostaria de saber o que vocês que entram neste blog gostariam de encontrar. Sobre o que gostariam que eu escrevesse? Que curiosidades o Depois da Dança despertam em você?


Seria realmente legal saber isso, e sabendo, vou tentar escrever sobre os assuntos que vocês citarem.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Senhora Distante

Quando a Trívia entrou na minha vida, ela abriu as portas para tudo o que viria depois. Foi Hécate quem me guiou para o culto aos deuses helênicos. Embora eu já fosse uma nerd de mitologia, e completamente apaixonada pelos deuses gregos, eu ainda estava tentando me achar.

Então, naquele dia, eu encontrei no meio de uma encruzilhada em Y uma chave antiga. Como uma resposta aos questionamentos que borbulhavam na minha cabeça. E a chave foi parar no meu bolso, e é como se Hécate me guiasse através do escuro onde repousavam minhas escolhas naquele momento, enquanto eu segurava a chave dentro do bolso. A chave foi parar em um cordão e por muito tempo ela ficou no meu pescoço o tempo todo. Não era a primeira chave que eu usava como pingente, e duvido que seja a última. Mas naquele momento, ela selou algo muito intenso.

Pesquisar a simbologia da chave me levou a Hécate e dela para o panteão grego todo. Hécate me levou pelas mãos para o caminho que eu devia trilhar.

Eu tenho uma percepção bastante pessoal de Hécate. Ela é linda. Fria e distante, mas ainda assim, uma deusa que se importa com os mortais de um modo que é muito pessoal. Ela não me parece muito paciente, fato - ela é sempre delicada como um tapa na nuca. Mas é aquela tia que sempre te protege se você correr chorando para ela.

A questão da aparência de Hécate é uma coisa engraçada que sempre é assunto. Porque na tentativa de forçar a barra fazendo os panteões todos se encaixarem na teoria de deusa tríplice donzela-mãe-anciã, apareceu uma trindade maluca onde Hécate seria uma anciã. Mas Hécate é uma jovem, e seu aspecto trino não tem nada a ver com essa coisa de donzela-mãe-anciã. Na verdade, eu acho que o jeito mais fácil de entender o aspecto tríplice dela é pensar nas divindades hindús, com seus muitos braços,cabeças e pernas, que são uma forma simbólica de explicar a maneira como a divindade se manifesta no mundo. É muito mais uma opção estética, que permite ao mesmo tempo mostrar uma grande diversidade de atributos.

Hécate não é boazinha,mas tampouco é uma deusa da morte assustadora. Hécate é feminina, nos extremos em que ser feminina também é ser uma "outsider", é carregar essa visão periférica cheia de fantasmas porque consegue ver aquilo que os outros não querem ver, aquilo que socialmente não fica no centro das atenções. Ela é uma deusa de coisas difíceis de lidar, de escolhas, estradas. De poder indomado.

Ela carrega uma parte no domínio de todo o resto, ela tem o favor de Zeus. Ela é uma deusa dispensadora de dádivas, e como todo deus dadivoso, ela é exigente. Seus atributos mostram o quanto ela não tem meio termo: ela carrega um punhal, uma tocha, um açoite, uma chave,objetos que não permitem ficar "em cima do muro".

Quando meu filho tinha três dias de vida, eu o apresentei a Hécate, pedindo que ela o protegesse. Tenho muito forte essa visão dela como protetora dos jovens, dos pequenos. Acho que as pessoas as vezes ficam um pouco obcecadas com aspectos mais "trevosos" (e que também são aspectos que as pessoas se apegam numa tentativa de parecerem mais fortes), e esquecem que Ela é muito mais do que uma deusa de "feitiços e fantasmas", mas uma deusa de proteção, de auxilio, de orientação. E quando não se tem força, é preciso aprender outros meios de se defender - veneno e maldição inclusive.

Mas quando é preciso pedir algo a algum deus, também se pede a Hécate para que ela intervenha em nosso favor.  E assim, Ela, que tem parte no mar, na terra e no céu, acalma as tempestades e auxilia, advogando pelas causas dos mortais.

Quando falo sobre Hécate, tenho a tendência a divagar. Porque ela é tão imensa e tão importante na minha vida, que não dá para escrever pouco...
 

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