sexta-feira, 13 de abril de 2012

Como é isso de uma vida dionisíaca? - ou "nem todo vagante é vadio"

Acho que a primeira coisa a deixar clara é que essas são as minhas vivências. E que cada devoto vai ter vivências diferentes. (para começar, um monte deles não vai usar a palavra devoto do jeito como eu uso, que é um jeito indianíssimo, rs)




Eu descobri Dionísio muito cedo na minha vida. Descobri que existia uma imensa angústia, definida por uma frase de Bakunin: "enquanto houver um escravo no mundo, todos seremos escravos". Então eu descobri essa angústia, esse anseio por uma liberdade que é ampla e que me levou a ver o mundo pelos olhos dos "marginais", dos que vivem à margem. Depois, muito depois, eu ia aprender que nos tempos helenos, Dionísio era um deus de quem vivia a margem...

Então eu descobri a loucura. A loucura morava em mim desde a infância. Mas foi a dor da perda que desencadeou em mim um senso de vagar sem pensar, sem rumo. E Dionísio é um deus que conheceu a loucura. Que vagou, que sentiu na pele. Por isso ele nos liberta da loucura. Porque a loucura é uma prisão, também.

E o tempo passou. E eu conheci o descontrole. Me deixei carregar e aprendi a ver o mundo com um olhar alterado. Mas de novo, havia Dionísio, o que rompe as correntes, e que me ensinou que o descontrole pode ser bom, mas não pode nos dominar.

E meu feminismo vem daí. Não, meu feminismo não tem a marca de Ártemis apenas. Porque como eu posso permitir que me digam o que fazer, que me impeçam de chegar ao máximo de mim, depois de mergulhar o rosto na voragem que é Lyaios?

Então chegou a hora em que Ele estava ali, diante de mim, e eu assumi um compromisso. Ainda não era recon. Mas já estudava a fundo as coisas. E meu compromisso estava selado. Com uma cicatriz e uma quantidade exagerada de vinho em uma noite de verão, eu entendi, de uma vez por todas, que era uma mênade.

Uma mulher comum, com uma vida comum. Que é tocada por Dionísio e que se permite mergulhar na experiência extásica dele.

Então, o que seria ser uma devota dEle?

Para mim, é um compromisso com a liberdade que me faz pesar todas as minhas escolhas e me faz ter uma dolorosa consciência de cada coisa que me oprime ou me força a um determinado caminho - e porque essa consciência dói? porque eu sou só uma mortal e nem sempre tenho a força necessária para me libertar. Dionísio é um deus que te trás consciências novas, que muda seus pontos de vista, que não te permite descansar na sua zona de conforto. Um Deus de Questões.

Mas ele é também o deus que sorri pra mim quando eu recebo as pessoas em minha casa e o vinho corre como água. E bebemos, e rimos, e nos embriagamos, e falamos de arte e ciência, de mitologia e de astronomia, e rimos de imbecilidades. Porque as vezes, é preciso apenas isso: permitir-se.

E Ele é o êxtase. É o transe, a batida do tambor, dos címbalos, das flautas. E escuto uma música, e ele está ali, bafejando meu pescoço. E vejo uma imagem e e corre um arrepio pela minha pele. E eu danço. E quando danço, ele me cura, e mesmo que eu dance até meu joelho me derrubar, eu me levanto depois cansada, feliz e sem dor.

Dionísio são as plantas que cuido em meu jardim, e a hera que eu cultivo em um de seus oratórios. Um deus vegetal, um deus que é seiva. Quando mordo uma uva, é Ele que está em minha boca, e quando me deito no leito de hera que cobre o chão do parque, é com ele que me deito. Quando cuido das plantas e enfeito as árvores com fitas e máscaras, é a Ele quem eu dispenso cuidados.

Quando pinto, entro em um leve transe e é nEle que me sinto mergulhar. Porque a arte é também um espaço seu, e quando eu choro diante de uma obra de arte muito amada, é dEle o toque em meu cabelo consolando meu coração diante das agruras de que a Arte nos liberta.

Ser dionisíaca é saber que suas certezas nunca serão imutáveis. Que sempre haverá um tremor de indignação diante da escravidão, e um anseio para mudar o mundo. E também uma busca pelo prazer, uma busca por enxergar no prazer algo que vai mais longe que só o instante: o prazer é a conexão com a presença divina... e a palavra entusiasmo ganha de volta seu significado verdadeiro... é saber criar drinks não porque seu deus é um deus do álcool, apenas, mas porque vc sente prazer em ver como os outros vão estar mais conectados ao momento graças àquilo. É dançar. É entender o que vibra atrás da batida de uma canção do Jefferson Airplane.

As pessoas imaginam que ser dionisíaco possa ser algo como um bêbado inconsequente e irresponsável, mas nunca se é irresponsável quando o assunto é Dionísio. Porque sempre encaramos as consequências. Porque Ele é um deus que altera a consciência, lembra? Ele nos livra da loucura... e nos ensina a moderação quando nos mostra como misturar água no vinho... e ele mesmo é um deus assim, do tempero, da temperança.

Ele é também um deus de sacrifício, um deus sacrificado. Porque ele nos entende, ele empatiza com os humanos. E as vezes, também é uma experiência nossa. De sacro-ofício. De sermos um pouco timoneiros também.

Acima de tudo, Ele é múltiplo. Delicado, feroz, amável, cruel. E ser dionisíaco é aceitar isso e mergulhar. Dançar no olho do furacão. E se deixar quedar sozinho, fumando silencioso mergulhado no frio das sombras das árvores, curando uma ressaca enquanto se percebe que o mundo só existe graças aos insensatos, que teimam em mudar o mundo ao invés de aceitar tudo sem questionar.
 

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