terça-feira, 30 de novembro de 2010

As coisas de todo dia.

Hoje estava dando uma geral nos blogs que costumo ler (uma boa parte deles está ali no blogroll). E foi curioso porque um post no House of Vines veio em uma direção muito próxima de um pensamento que eu estava tendo.

Durante a primavera, eu fixei uma série de práticas semanais em honra a Dionísio. Este ano, eu me senti um pouco desanimada em cumpri-las, porque estou fisicamente mais solitária (sejamos realistas, em um aspecto não físico não dá para dizer que estou sozinha, com a Alex, o Jota, o Tinho, o Thi...). Me bateu um sentimento de "mas porque estou fazendo tudo isso?".


E então, como um raio de sol no meio das nuvens, eu percebi que não importa o que eu esteja vivendo, eu faço isso por Ele, faço porque carrego o tirso. Faço porque isso me leva a Ele.

Prática cotidiana. Minha religião não é pautada pelas coisas complicadas feitas de vez em quando, mas pela constância das práticas, muitas vezes simples. Pela constância é que se constroem os relacionamentos, sejam entre pessoas, entre espíritos, entre devoto e deus.


Desenvolver uma rotina de culto pode não ser a coisa mais simples, mas é muito bom. Não precisa ser nada obscenamente complexo, mas algo que você possa praticar de forma realista, que não vá falhar, que seja feito com constância e atenção.


Não precisa necessariamente ser algo feito com hora marcada e um tremendo planejamento. Pode ser um incenso e uma vela, um beijo jogado na direção do altar quando passa diante dele e uma prece silenciosa no batente da porta.

Existem momentos em que vivemos nossos deuses com intensidade, com insights, coração descompassado e aquela chama que parece que vai nos quebrar e queimar. Mas isso é só um pedaço do caminho.

E não, eu não falo isso apenas para os outros. Mas como um lembrete também para mim mesma, que as vezes visto a pantufa de jaca, que as vezes me sinto desanimada, e que as vezes me questiono se estou fazendo as coisas certas.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

dia 4- Nascimento, morte e renascimento

Uma das coisas que me ligam a Dionísio é que eu vejo a vida como uma sequência de mortes. Quantas vezes morremos e renascemos durante o tempo regulamentar de uma vida?

Quando meu filho nasceu, eu passei por um momento muito intenso com relação a minha religiosidade. Acho que foi um momento de mudança de foco, que me fez mergulhar em Leto e na idéia de uma mãe que luta pela sobrevivência/reconhecimento de seus filhos. Inegavelmente, dar a luz é um momento mítico. Ainda mais para mim, que optou e lutou por um parto natural, não hospitalar.

É difícil falar em nascimento, mais doq ue falar em morte. Nascer é algo violento, sangrento, e lindo, mas de uma beleza que é aporreton, que não pode ser dita, porque pertence a um domínio fora das esferas cotidianas. Nascer é um mistério: não a toa Ártemis olha pelos partos - ela é uma deusa que guarda coisas que não podem ser vistas/ditas.

O nascimento foge do racional, e quando feito em sua natureza, nos carrega para dentro da natureza mítica, é uma forma de iniciação. Não acho que seja a única, ou que seja melhor ou pior que outras,mas é uma iniciação. E uma em que participamos não só como mães: todos nós passamos pelo parto como filhos de algum modo, e isso diz algumas coisas sobre nós.

Acredito que isso diga muito sobre nossa personalidade, e sobre como reagimos ao mundo.Algo de nós é moldado por essa primeira iniciação.

A morte é uma proximidade muito grande do nascimento. De fato, é como se fossem duas coisas muito parecidas. Não a toa, deseja-se para as parturientes uma "boa hora" - mas boa hora é como chamamos tanto o parto como a morte.


Morrer é apenas não ser visto/ morrer é a curva da estrada já dizia Fernando Pessoa. Para mim iso define tudo. Meus mrotos me deram tantos sinais que me acostumei com a idéia de que a morte é algo natural. Doloroso? Com certeza. Mas natural.

Eu sou devotada a Hécate e isso me deixa numa complicada situação. Eu sou a pessoa que vela os defuntos, ritualiza as passagens, age como psicopompe quando é preciso. Não é confortável - é só algo que faço bem e que me foi colocado entre minhas muitas funções terrenas. E lá vou eu carregando moedinhas nos bolsos quando vou aos velórios, acendendo velas e expulsando os keres.

Mas a morte pra mim carrega algo de esperança. Porque Persefone desceu ao Hades para nos trazer esperança. Porque Dionísio morreu e renasceu e porque há algo de fragmento dele em nós, talvez.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Coisas bacanas do fim de semana - Indicações de leitura iniciais

Esse fim de semana eu fui convidada para falar sobre reconstrucionismo helênico em um espaço wiccano chamado Faces da Lua, pelo Edu Scarfon.

Foi muito bom. Surgiram muitas idéias, as conversas foram produtivas e eu vou postar algumas coisas aqui que sairam das conversas lá.


A primeira é: Eu não conheço nada de mitologia. Por onde eu começo?



Eu acho que para começar do básico mesmo, eu recomendaria a coleção Mitologia Helênica do Menelaos Stephanides. São oito livros voltados para o público juvenil, que pegam um geral da mitologia e que tem uma leitura bem fácil. São bons para começar, porque suas versões dos mitos não tem distorções muito agressivas.

Se você já conhece de mitologia helênica e quer se aprofundar, mas ainda não sabe bem por onde, eu recomendo ler a Teogonia de Hesíodo. Não é um livro que responda suas perguntas: pelo contrário, é um livro que te trás um monte de perguntas, o que é muito saudável. E ele dá uma base boa para se situar: começa do Caos que existia antes de tudo e vai até os filhos de Zeus, em uma ordem relativamente cronológica. E você acha online algumas versões.

A partir daí, com certeza você vai ter deuses que te chamam mais a atenção. E eu recomendo ir a partir deles.

Mas forma geral, acho que todo mundo deveria ler Mito e religião na Grécia Antiga, do Jean Pierre Vernant. Ele serve para muitas coisas,inclusive tirar o medo da leitura acadêmica. São 100 páginas só, com uma leitura muito gostosa.  

Eu tenho mais um monte de coisas para escrever do que veio deste fim de semana. Continuo durante a semana.

Ah sim. Sobre reconstrucionismo helênico em portguês, nós temos um agatho daemon chamado Alexandra que facilita a vida de quem não fala inglês imensamente. Clique na guia "RHB" ali em cima, e você vai para o site do Reconstrucionismo Helênico no Brasil, onde tem, em português, super acessível a qualquer um, todo o básico necessário para quem quer cultuar os deuses nessa base.


Abraços e até mais.

domingo, 7 de novembro de 2010

Dia 3- Dvindades

Eu sou uma pessoa que leva a sério ser "hard polytheist". Eu acredito que os deuses todos do mundo existem. Eu acredito até que John From existe e abençoa seus seguidores.

E eu acredito firmemente que cada deus é uma entidade individual, e embora alguns deuses sejam muito parecidos, são raríssimos os deuses que eu considero que sejam o mesmo com nomes diferentes.

Muita gente acha que eu sou exagerada. Quer dizer, John From? E Jeová? E todos os 300 mil deuses chineses? E o deus de cada lago, montanha, rio, caverna? E que o príncipe Phillip se tornará um deus quando morrer?

Sim, todos todos todos. Minha nossa, nós somos bilhões de pessoas, porque esses deuses todos não exisiriam?

Eu também não acredito muito em livre arbítrio. Por isso acredito que meu destino era servir aos deuses gregos e não a outros. O que eu pude escolher foi a maneira como eu Os serviria, talvez. Ou talvez, por algum motivo, eles tenham reparado em mim e decidido me tocar, e por isso esse passou a ser meu destino. Mas posso dizer que já tive experiências significativas com deuses de diversos panteões, inclusive experiências que me levaram a cultuar certos deuses dentro do panteão grego.

Kwan Yin, por exemplo, já foi uma deusa focal no meu dia a dia. Quando Leto apareceu na minha vida, a idéia de cultuar uma deusa de gentileza já fazia parte de mim. Shiva me levou pelas mãos até Dionísio e eu serei grata a Ele por isso sempre - e ao mesmo tempo, eu aprendi a amar Shiva por quem ele é. Muitos deuses são apaixonantes. Mas eles não me fazem sentir aquela fúria, aquela chama dentro do peito, que os deuses dos antigos helenos me fazem sentir.


E eu não acredito que deuses morram. Eles podem não ter mais seguidores, e podem até se retirar da vida das pessoas. Mas acredito que cedo ou tarde, eles decidem tocar alguém. E por alguém pode ser humano, ou uma pedra.

Talvez seja por eu ser tão aberta em ouvir a voz de qualquer deus que seja que meu culto foi tomando ares um tanto incomuns e eu acabe prestando devoção a diversos deuses cujo culto hoje em dia é incomum ou marginal.

Eu poderia passar três vidas só aprendendo sobre os deuses. E sempre penso naquele verso de Álvaro de Campos:

Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-rne,
E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente.
 

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