As vezes a vida nos atropela. É estranho porque não acontece de repente, é algo gradual. Quando você se dá conta, está afogado em tanta coisa que não dá conta de respirar.
Acho que a única constante nesse caos foram os deuses. Não importa que espiral de loucura eu estivesse enfiada até o pescoço, minha relação com o divino sempre foi uma pequena ilha de estabilidade onde me ancorar.
Tenho aprendido um bocado. As vezes, é puxado. As vezes, você retorna para as coisas mais simples.
Como um vaso de hera.
Eu tive vasos de hera algumas dezenas de vezes. Pode parecer besta, porque depois que está adaptada é uma planta que se vira por conta própria. Mas em vaso, exige uma manutenção simples mais constante. Regar pelo menos uma vez por dia, mas dependendo do clima, duas. A terra precisa estar sempre úmida. é uma planta "fria" que não se dá bem com sol forte, mas precisa de luz.
E se você vacila, ela seca.
Acho que é muito didático do processo de devoção, o cuidado com as plantas. Mais ainda quando se é devota de uma divindade que é assim, vegetal, em sua natureza.
Uns dois anos atrás, eu escrevi uma anotação meio assim "por uma vida de rosas e hera", "quero uma vida de rosas e hera". As duas plantas registradas na minha pele, e carregadas de tanto valor simbólico.
Foi logo depois que eu me vi às voltas com meu vaso de hera que meu companheiro decidiu que queria plantar rosas. E perto da jardineira de heras, porque eu sempre procuro variedades diferentes dela, foi surgindo uma linha de vasos de rosas.
Eu tenho uma grande rosa alba no jardim. Ela tem mais ou menos minha idade. Dá cachos de rosas toda lua nova, que chegam a ter vinte, trinta rosas em um cacho. É uma roseira boa para fazer remédio. Mas as rosas coloridas dos vasos tem uma outra natureza, não é a serenidade ampla do espinheiro cobrindo o muro, é aquela explosão de cor em um espaço tão restrito.
A vida, apesar do caos, se fixou em rosas e hera. E a hera anda tão luxuriante que eu preciso comprar outra jardineira, porque ela tem se espalhado e criado caminhos, tentando buscar mais espaço, a jardineira explodindo em tons de verde.
O verão vai abrindo caminho na primavera e nessas noites quentes, eu me sento na varanda para escrever. Até aqui, ao que parece, eu poderia escrever em noites assim.
Quando vier a primavera (Alberto Caeiro)
Há 2 meses