sábado, 26 de junho de 2010

Ares, a força da guerra, os aprendizados de Ares e um deus estrangeiro

Quem me conhece sabe. Sou uma pessoa da guerra. Tenho uma natureza explosiva, um gênio difícil e a paciência curta. Conviver comigo significa conviver com explosões de raiva e eventuais patadas, que embora não sejam intencionais, machucam. Para ajudar, sou aguerrida, defensora de quem precisa, apaixonada pela história da guerra. Eu não acredito na paz. Toda paz é, necessariamente, um armistício entre duas guerras. Parece cruel, eu sei. Mas é só pensar que, historicamente, nunca houve cem anos seguidos de paz sobre a face da Terra.  A busca pela paz é algo íntimo, não exterior, os samurais já nos ensinam isso.

 Mas se engana quem acha que ser cabeça quente e ter um "gênio ruim" me fazem amar aos deuses da guerra porque eles me permitam essa falha. Pelo contrário. Poucos dias atrás, estava mostrando a uma amiga o que eu repito sempre que preciso de calma, e foi divertido a surpresa dela de que fosse um trecho do Hino homérico a Ares:


Hino Homérico VIII - A Ares
(tradução Alexandra Nikasios)

Ares, de força extraordinária, condutor da biga, de elmo dourado, valente de coração, portador do escudo, salvador das cidades, de brônzea armadura, braço forte infatigável, poderoso com a lança.

Ó defensor do Olimpo, pai da Vitória bélica, aliado de Têmis, severo governante dos rebeldes, líder dos homens justos, Rei com o cetro da virilidade, que gira sua feroz esfera entre os planetas em seus sétuplos cursos através do éter, no qual seu corcel flamejante sempre te leva acima do firmamento do céu; ouça-me, auxiliar dos homens, doador da destemida juventude!

Verta um gentil raio de cima sobre a minha vida, e a força de guerra, que eu possa ser capaz de afugentar a amarga covardia de minha cabeça e de esmagar o doloso engano em minha alma. Retenha também a afiada fúria de meu coração, a qual me provoca a trilhar os caminhos da disputa de pavoroso sangue. Antes, ó abençoado, dê-me coragem para perseverar dentro das inofensivas leis da paz, evitando a contenda e o ódio e o violento espírito maligno da morte.


"Retenha a afiada fúria de meu coração"; E nos últimos dias, eu tenho pedido isso constantemente.

Tenho andado com a palavra "ataraxia" rabiscada no pulso, para não me esquecer. É uma palavra que ilustra um conceito dos estóicos e epicuristas, vem  de ataraktos, imperturbado: (a = não; tarassein, tarak- = perturbar). Esse ser imperturbável tem mais de um sentido, mas eu uso no sentido mais "chulé" mesmo, de não se deixar perturbar pelas questões da vida, ou como eu disse lá em cima, entender que a paz é algo íntimo, que deve ser mantida em qualquer ambiente.

 Acho que esse é um dos grandes aprendizados que a guerra trás, e é algo que os deuses da guerra me ensinam constantemente. Ser forte, simples, "impecável". O guerreiro é um arquétipo que está presente em todas as fés, em todos os lugares do mundo. Não a toa, o Arte da Guerra de Sun Tzu já esteve presente em mais de um altar para Ares que eu fiz. O Bushido me é tão importante quanto os livros romanos sobre guerra, e os relatos da campanha de Filipe e Alexandre Magno. Só não sou fisicamente guerreira, porque o exército brasileiro me considerou inadequada ao serviço.



Anteontem eu estava diante do altar da guerra, acendendo velas, queimando incenso e recitando hinos. É o dia do mês que eu separei para honrar os deuses da guerra. Dia 23.Esse é o momento em que as pessoas dizem, "epa, como assim?". Pois é. Eu escolhi o 23º dia do mês civil para honrar os deuses da guerra.

Não foi uma decisão fácil. Na verdade, foi um momento bem complicado para minha vida espiritual.

Ano passado, eu acho, foi que aconteceu. Não vem ao caso como, mas descobri que, para o panteão afro-brasileiro, sou filha de Ogum. E saber de que orixá você é filho não é como saber seu signo em um horóscopo. Para mim, que sirvo aos deuses, é algo que exige respeito. Nos meses que se seguiram, eu tive uma série de sonhos, muito belos, assustadores e intensos, onde meu pai Ogum me mostrou que, se eu quisesse, ele estava esperando pelo meu serviço. Foi um momento curioso quando contei os sonhos para algumas pessoas e descobri que tudo que eu descrevi era mesmo parte dos processos sagrados do candomblé (eu só vi uma gira de camdomblé na vida, não imaginava como seria a coisa "por dentro").

Então eu, me sentindo o pior do seres humanos, agradeci, e disse a Ele que não podia. Que eu tinha um compromisso e obrigações assumidos com os deuses gregos.

Eu diria que, para um deus da guerra, Ogum é muito gentil. Mas eu continuei sonhando com ele e me sentindo culpada com a situação toda de dizer não a um deus (que é um deus que eu levei dois minutos para amar).

Então eu li isso aqui:

A prática de incluir deuses estrangeiros na estrutura do politeísmo helênico era autêntica. Há vários casos na Grécia Antiga nos quais a deidade de outra cultura foi trazida para dentro da religião grega e fazia parte dela. Cibele, que era originalmente da Ásia Menor, adquiriu significativos seguidores na Grécia. No período helenístico, muitos deuses do Egito encontraram seguidores gregos, especialmente Ísis, que foi cultuada por várias pessoas por todo o império romano. Isso não significa um endosso ao tipo de ecletismo às vezes visto na comunidade neo-pagã, tipo misturando e comparando panteões e tradições para se encaixar nos caprichos de alguém. Mas há formas apropriadas de incluir um ou dois deuses de outros panteões na prática politeísta helênica sem comprometer sua integridade. A chave é realmente aprender sobre o sistema do qual a nova deidade vem, e como esse/a deus/a pode se encaixar no sistema helênico.
(Fonte: Sarah Winter, no livro "Kharis", traduzido por Alexandra.)

E foi assim que meu coração sossegou. Quando eu me comprometi a reconhecer o papel de meu pai em minha vida, e prometi a ele uma vela a cada dia 23 como reconhecimento a ele. E foi assim que um medalhão com a imagem de São Jorge (não acho uma imagem do orixá que seja pequena o bastante para caber no espaço que tenho) foi parar no Altar da Guerra, junto aos Curetes, a Ares, a Athena e a Thêmis (para que a guerra em mim sempre siga os passos da justiça). Agora, Kheiron, o professors dos heróis, e Hércules, também vivem no altar da guerra, enquanto não consigo fazer um altar só para os heróis. Foi assim que todo dia 23, uma vela vermelha e uma vela azul são acesas no altar da guerra, e então eu queimo incensos, leio hinos e trechos de textos que falam sobre guerra e virtude, recito um ponto ou poema sobre Ogum. Dia 23 de abril eu usei uma camiseta com a imagem dele, como uma maneira de honra-lo (e não posso evitar pensar também em Ares quando vejo a imagem de um são jorge nú, só de capacete e grevas, que é a da camiseta.). Tomo o cuidado de oferecer o que posso, sem nada que pudesse ser considerado ofensivo a Ele, e me mantenho no serviço aos Deuses com quem comprometi minha vida, que são os deuses dos antigos helenos. 

Para quem é pacifista, o meu respeito. Mas eu sou uma criança da guerra, e meu coração vive em chamas... =)





para quem quer ler um pouquinho mais sobre essa relação entre diferentes fés, a Alex fez um ótimo post no blog dela, leia aqui.

E um vídeo muito legal do youtube que é, basicamente, Ares passeando sobre a Terra, aqui.

6 comentários:

Alexandra disse...

Fico até sem graça de tanta citação a mim, rsrsrs! Que bom que compartilhar algumas das minhas leituras e opiniões ajuda as pessoas a harmonizarem seus dilemas. E melhor ainda é saber que somos irmãs por Ogum. ;D

Jota Olliveira disse...

Essa questão de deuses estrangeiros no culto sempre mexeu um pouco comigo. Sempre tive um carinho indispensável e enorme por Bastet, mas depois que vim pro Helenismo me distanciei, justamente pelo medo de cultuar errado e de de repente fazer coisa errada, mesmo pq o culto a algumas divindades ainda é complicado pois temos pouquissima referencia.

Sarah Helena disse...

Alex, sejamos realistas, a maior parte das coisas de helenismo traduzidas para o português são sua, ou de outras 3 ou 4 pessoas. Fica difícil citar várias traduções sem citar vc, rs.


JOta, é uma coisa difícil mesmo. Não é algo que dá para levar levianamente. Mas as vezes, os deuses nos chamam... e quem somos nós para discordar. Agora, sobre Bastet, vc conhece o pessoal do NeosAlexandria? Eles tem uma religiosidade "ptolomaica", que é justamente a mescla entre Grécia e Egito. Talvez lá vc ache algumas coisas sobre como lidar com Bastet nesse contexto, de maneira decente.

Rô Rezende disse...

Como filha de Ogum você já deve conhecer, mas pelo sim e pelo não, vou deixar o link de Jorge da Capadócia, de Jorge Benjor.

Para mim, é uma das oraçãos mais lindas que eu conheço e toda vez que ouço me arrepio e tenho vontade de chorar! :S

Rô Rezende disse...

Aff, só esqueci de um detalhe, o link! =S Desculpa comentar de novo, mas não tem como editar o comentário. :(

http://www.youtube.com/watch?v=7820ssQFF3o

antonio disse...

Também sou uma criatura da guerra. Advogado, boxeador, de temperamento inquieto, por mais de 30 anos pratico artes marciais (hoje só o boxe, que eu considero a arte suprema - para mim, pelo menos - nada demanda mais coragem e foco do que lutar bem de perto e só com os punhos). Nunca quis outro tipo de esporte e só tive paz de espírito quando aceitei esse fato. Não sou de candomblé, mas fui casado com uma pessoa que era, e como você, me descobri filho de Ogum, sonhei com um Obaloé manco e vestido de mendigo, que apareceu com uma língua bifurcada e de duas cores, preto e branco, me dando de presente uma imagem de Ogum. Quando eu tive esse sonho, há 13 anos atrás, eu nem sabia que existia um deus africano que aparecia com essas características. Hoje eu ando sem fé em nada que não seja eu mesmo. Uma série de situações me afastou de qualquer contato com o mundo espiritual. Mas sinto que o momento de retiro é esse mesmo, que faz parte da vida de qualquer guerreiro passar um tempo a sós consigo mesmo, sem poder contar com nada nem ninguém. Nunca fiz uma tatuagem em meu corpo, e perdido em minha fé ando procurando algo que represente o amor pela guerra que eu tenho. Ando lendo sobre a tribo kalapalo, tentando identificar as pinturas que eles usam quando vão disputar sua luta (huka huka) no Quarup. Mas não tenho muita facilidade em encontrar material. Na verdade eu queria tatuar todos os principais deuses da guerra conhecidos, para que eles saibam que ainda que eu esteja caminhando sozinho, eu tenho respeito pelos seres que representam o que eu acredito. É reconfortante saber que há outras pessoas que aceitam a guerra dentro de si mesmas. Boa sorte a você.

 

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